Uma análise sobre arquitetura, decolonização e a prática do escritório Worofila no Senegal, um trabalho no âmbito da disciplina de Arquitetura e Cidade, Relações Étnico-Raciais e de Gênero.
Nicolas Rondet
Nzinga B. Mboup
Fundado em 2019 em Dakar, Senegal, o Worofila é um estúdio de arquitetura bioclimática. O nome é uma homenagem à rua onde os fundadores se conheceram, num espaço de trabalho coletivo pioneiro na produção de blocos de terra comprimida , um detalhe que já sublinha o compromisso do escritório com seu contexto material e local.
Os fundadores são Nzinga B. Mboup, arquiteta senegalesa-camaronesa que, após trabalhar no prestigiado escritório Adjaye Associates em Londres, sentiu a necessidade de aplicar seu conhecimento de forma mais significativa no seu país de origem , e Nicolas Rondet, arquiteto francês que se mudou para o Senegal buscando alternativas à abordagem tecnológica e descontextualizada da Europa.
Senegal
O princípio central é promover edifícios de baixo carbono em total harmonia com o clima local, usando estratégias passivas para o conforto térmico.
A prática é uma forma de ativismo que busca reparar a fratura histórica do colonialismo, valorizando saberes construtivos africanos para lutar por dignidade e justiça espacial.
A filosofia do escritório rejeita soluções universais. Cada projeto é uma resposta direta ao seu contexto específico: clima, cultura, economia e realidades sociais.
Terra Crua (BTC): O Bloco de Terra Comprimida é o principal material. Produzido com prensas mecânicas, ele garante alta densidade e precisão dimensional, o que permite sua aplicação em construções urbanas de múltiplos andares com total segurança.
Typha (Junco): Um junco aquático abundante no Senegal, aproveitado por suas excelentes qualidades como isolante térmico e acústico. É utilizado de forma versátil em painéis de fachada, forros de cobertura e até mesmo misturado na composição de tijolos de adobe.
Simulações Termodinâmicas: Para validar cientificamente suas estratégias, o escritório colabora com engenheiros para realizar simulações computacionais. Isso garante que o design passivo (ventilação, sombreamento) atinja o conforto térmico sem a necessidade de ar condicionado.
Técnicas Construtivas Vernaculares: Há uma reinterpretação de técnicas tradicionais com uma abordagem contemporânea. Exemplos incluem o uso de abóbadas de tijolos autoportantes e o design de pátios e chaminés térmicas para otimizar a ventilação natural.
Estética da Função: A beleza dos projetos não é um adorno, mas uma consequência direta das soluções técnicas. Um exemplo são as estrias de tijolos em uma estação, que servem tanto para enrijecer a estrutura quanto para criar um padrão de sombras que protege a fachada do sol.
Referenciais Vernaculares: A inspiração principal vem da sabedoria construtiva local, como a casa de implúvio da região de Casamança, cujo design informa o uso de pátios e sistemas de resfriamento passivo nos projetos do Worofila.
Pesquisa como Base: A prática arquitetônica é inseparável da pesquisa. Nzinga Mboup lidera projetos como o Dakarmorphose, que estuda a evolução urbana de Dakar e o patrimônio local, informando diretamente as decisões de projeto.
Escala de Atuação: O escritório atua em diversas escalas, desde pavilhões experimentais e residências urbanas até projetos de infraestrutura de grande escala, como estações de trem. O foco principal é o Senegal, mas com uma perspectiva transnacional para outros países africanos.
No Senegal, o coletivo de arquitetura Worofila ergue suas obras com terra, memória e comunidade. Utilizando blocos de terra compactada (BTC) e técnicas ancestrais, não apenas constrói edifícios — constrói sentido, identidade e autonomia, resgatando saberes locais como tecnologia de futuro.
A mesma urgência de reinventar o presente aparece nas palavras de Carolina Maria de Jesus. Ela escreve para sobreviver, mas também para construir um mundo possível com palavras — assim como o Worofila constrói espaços possíveis com barro, transformando a escassez em semente de invenção.
Frantz Fanon convida a pensar a libertação para além das instituições, propondo uma reconfiguração do ser e do espaço. Sua crítica à colonização do imaginário ecoa na prática do Worofila, que recusa o concreto como linguagem única, em um ato de insurgência estética e política.
Nesse elo, Carolina escreve o que o mundo insiste em apagar, Fanon denuncia o que o mundo insiste em manter e Worofila constrói o que o mundo insiste em esquecer. Os três, à sua maneira, interrompem o ciclo da alienação, apostando no gesto criador como enfrentamento e cura.
Suas práticas convergem no que há de mais potente: reconhecer que o futuro se constrói com aquilo que já está aqui — o corpo, o chão, a memória e o sonho.
Diamniadio é uma cidade planejada no Senegal, localizada a cerca de 30 km de Dakar, e faz parte do programa de desenvolvimento do governo senegalês para revitalizar a economia do país. O projeto visa aliviar a pressão populacional sobre Dacar e promover o crescimento econômico através da construção de infraestruturas modernas, como o Aeroporto Internacional Blaise Diagne, o Estádio Olímpico de Diamniadio e o Trem Expresso Regional.